sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Religiões e diplomacia: caminhar juntas na resolução dos conflitos


Religiões e diplomacia: caminhar juntas na resolução dos conflitos

O presidente dos intelectuais muçulmanos italianos acredita que o Ocidente precisa deixar de lado seus próprios clichês

11.09.2013

Chiara Santomiero

 
As religiões podem ter um papel muito ativo e importante na ação diplomática, necessária para a resolução de conflitos, especialmente onde a composição étnica e religiosa da população é tão complexa, como no caso do Oriente Médio.

Esta é a convicção de Ahmad Gianpiero Vincenzo, docente de sociologia em Catânia (Itália) e presidente da Associação dos Intelectuais Muçulmanos da Itália. Ele conversou com a Aleteia sobre o esforço comum pela paz na Síria, apelo lançado pelo Papa Francisco na vigília do dia 7 de setembro.

Como as comunidades islâmicas acolheram o convite do Papa Francisco a unir-se à oração pela paz?

Acolheram bem, porque é um convite que vai ao encontro da sensibilidade islâmica. Quando as relações estão desgastadas e a perspectiva humana de resolução dos problemas se esgotou, a oração e o jejum se tornam "armas" para abrir a reflexão a uma perspectiva diferente.

O jejum é uma prática tanto do cristianismo como do islamismo. Como ele pode ajudar na busca da paz?

As tradições religiosas do cristianismo e do islamismo são mais próximas do que se pensa. De fato, considera-se que somos dois ramos da mesma árvore. O mês de jejum do Ramadã, que concluímos há pouco, é um dos pilares do islã, e nele, a dimensão material da privação do necessário abre à dimensão espiritual, que leva a um ponto de vista diferente sobre as coisas.
 

 

Podemos comparar isso a uma doença: uma pessoa doente reflete de maneira diferente sobre a vida, percebe a relatividade de alguns aspectos que antes não tinham muita importância. O jejum, neste sentido, pode ajudar a entender melhor as consequências de um conflito e a importância da paz.

Não existe conscientização suficiente sobre as consequências de uma intervenção militar na Síria?

Basta ver os precedentes: no Iraque, morrem 100 pessoas por dia. Os ocidentais se resistem a entender que pode haver equilíbrios diferentes nos países. A maior parte das pessoas acha que, para resolver a crise da Síria, basta que Assad renuncie e que organizem eleições democráticas. E se não for assim?

Há territórios que têm características étnicas tais que, se não se consegue um acordo entre as comunidades, não se vai a lugar algum. Cerca de 15% da população Síria é alauíta, uma comunidade muito diferente das demais comunidades muçulmanas. Eles não podem aceitar que Assad renuncie, porque ele é a garantia da sua segurança.

Vimos o que aconteceu no Iraque entre os xiitas e os sunitas e não aprendemos nada. O direito islâmico é diferente do ocidental e exige encontrar um equilíbrio entre as comunidades: a proteção das minorias é o fundamento do Estado.

Como acontece no Líbano?

É exatamente assim: cada vez que se rompe o equilíbrio entre as comunidades, o país fica a ponto de entrar numa guerra civil, mas enquanto se conserva esse equilíbrio, é modelo de ordem institucional avançada no Oriente Médio.

Também em Israel há um direito confessional baseado no equilíbrio entre as comunidades. Não se trata de um armistício de guerra, que é algo diferente, mas de um equilíbrio que se projeta sobre a sociedade civil.

Por que a ação diplomática utilizada na crise da Síria não é eficaz?

As relações diplomáticas ainda estão marcadas por uma lógica de guerra fria: a resposta, em caso de crise, são as sanções econômicas. A oposição já não é entre guerra e paz, mas entre guerra fria e armada. É preciso adotar uma ação diplomática diferente.
 
 
 


No final do encontro entre islâmicos e cristãos de 2009, no Vaticano, foi proposta a criação de um comitê inter-religioso pela paz, que fosse integrado na ação diplomática. Esta é uma ideia que poderia ser retomada.

Quando se entende a diplomacia como busca da paz, a dimensão religiosa poderia ter um papel fundamental, sobretudo nas áreas em que há uma presença complexa de comunidades étnicas e religiosas. No fundo, é a mesma coisa que o Papa Francisco pede quando fala de soluções alternativas à guerra e quando nos convida a rezar unidos.

O documento entregue aos embaixadores da Santa Sé oferece critérios para o pós-conflito, como o respeito às minorias e a integridade do território...

É verdade. A subdivisão do território entre as comunidades significa projetar as divisões num espaço, mas, se as tensões não são resolvidas, elas voltam a explodir. Também sobre isso temos muitos exemplos de fracasso, como na Grécia e no Paquistão.

Gandhi se opôs até a morte à divisão entre a Índia e o Paquistão, entre hindus e muçulmanos, porque entendeu que o país teria maior estabilidade se as divisões fossem feitas no interior do estado, e não sobre o território; e já vimos como isso terminou.

Se temos a prova do enraizamento de conflitos que duram décadas, como se pode pensar em recorrer a estas soluções? Um comitê inter-religioso poderia trabalhar neste sentido.

A iniciativa do Papa Francisco pode influenciar a situação atual?

O Vaticano tem uma grande credibilidade, mas seria necessário uma importante mudança de mentalidade. Um mundo cada vez mais materialista deveria aceitar que o Vaticano (e as religiões em geral) tem um peso na história – peso este que, no entanto, a cultura está empenhada em eliminar do tempo.

Seria necessário redefinir a hierarquia de valores em um mundo que coloca a economia em primeiro lugar. Seria maravilhoso que as dimensões espiritual e religiosa pudessem prevalecer sobre os interesses econômicos: isso significaria afirmar que o dinheiro não é tudo.

De qualquer maneira, esperemos que a petição de paz do Papa Francisco seja levada a sério.


 

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