segunda-feira, 2 de setembro de 2013

"Quanto maior fores, mais deves humilhar-te e terás a aceitação do Senhor".

 
 
SENHORA DO PORTO D’AVE – 2013



"Quanto maior fores, mais deves humilhar-te e terás a aceitação do Senhor".



 

Esta palavra, retirada de um dos livros sapiências do Antigo Testamento, soa estranha. Num mundo em que quase todos dizem ou pensam que o que importa é subir na vida a qualquer preço, a humildade não está propriamente de moda. Para usar uma conhecida expressão de Jesus, a humildade não se prega nos telhados. Nos telhados e nos microfones dos fazedores de opinião o que se grita é a competitividade, a inovação, o salto em frente, o investimento. E o credenciado ou endeusado pela sociedade não é o sábio, o bondoso e o justo, mas o Director-Geral, o Presidente do Conselho de Administração, a celebridade que aparece nas revistas de coração… Não se julga pelo conteúdo, mas pelo papel de embrulho: prefere-se mais a garrafa do que o que está por dentro. Entretanto, entre os índios ianques corre um ditado de muita sabedoria: "Só os tolos, vazios e inúteis é que se julgam importantes".



É para esse perigo que Jesus nos alerta no Evangelho de hoje, quando nos manda procurar os últimos lugares. Corremos, de facto, o risco da soberba, da exterioridade, da sujeição aos esquemas sociais e às formas de pensamento estandartizadas. E de omitir a reflexão, a inteligência aplicada à realidade, a capacidade de resistência às novas ideologias, enfim, o trocar a verdadeira sabedoria pelas habilidades da tecnologia. Quer como pessoas individuais, quer como sociedade. E podemos ficar na futilidade, nas modas culturais efémeras, no sentimentalismo e hipotecar a razão à emoção, entendida como apetite momentâneo. O que representa um verdadeiro retrocesso civilizacional. Para embrulhar este vazio, esta falta de verdadeiro humanismo, ao fim e ao cabo esta nulidade, a cultura de massas contemporânea fabricou conceitos como modernidade e modernização, desenvolvimento, inovação e outros eufemismos.



Mas uma sociedade despojada de interioridade e sabedoria não só rejeita a fé, como afasta mesmo o bom senso e o apreço pela dignidade humana. Quanto à fé, ou é ridicularizada ou ignorada ou, na melhor das hipóteses, confinada ao âmbito do privado. Mas o maior problema consiste em meter o bom senso na gaveta: quando tal acontece, advoga-se como último grito da modernidade aquilo que, efectivamente, é uma velharia injustificável. Pensemos em temas como ideologia do género, manipulação genética, experimentação em embriões vivos, o apanágio da homossexualidade –o tal "orgulho gay"-, a co-adopção, o aborto, a eutanásia, etc.



È um dado que vivemos numa sociedade pluralista. Como tal, portadora de muitas visões a respeito do mesmo assunto. Mas, precisamente por isso, porque as opiniões são desencontradas ou até contraditórias, quer dizer que todas são autênticas e verdadeiras? Obviamente que não. A procura da verdade é uma tarefa árdua. E empenhativa. Supõe humanismo e sabedoria. Pensemos no caso exemplar do aborto. Despenalizou-se -dizia-se- para evitar o clandestino. Mas sabe-se que este aumentou. Se a fazer fé em algumas estatísticas, juntarmos o despenalizado com o clandestino, obtemos uma cifra muito superior a 50.000 por ano. Número assustador, se pensarmos que é essa, mais ou menos, a população de Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Terras do Bouro e Cabeceiras de Basto. Ainda que pudéssemos ignorar, por momentos, as dimensões ética e psicológica, mesmo sob o ponto de vista demográfico e económico temos de nos interrogar, enquanto comunidade nacional, se podemos dar-nos ao luxo de riscar do mapa, todos os anos, o equivalente a estes quatro Concelhos. Numa década, quase «limpamos» a mesma quantidade de gente que vive em todo o interior norte do País. É uma hecatombe! Com uma agravante: se abrimos a porta à morte, ela não se contenta com pouco: quer sempre mais. É como nós: não nos chega algum amor, mas queremos mais amor; não nos chega algum respeito, mas queremos o máximo de respeito. Com a morte é a mesma coisa: não se contenta com o aborto, mas quer mais e mais. Qualquer dia será a eutanásia e depois a eliminação dos não-produtivos, etc. etc. Até se estabelecer uma verdadeira «cultura da morte», para a qual nos alertava o Papa João Paulo II.



Caros cristãos, que ninguém se engane: a fé é o combustível com que se alimenta o motor de um pensamento sábio e sensato. Gera uma nova cultura da vida e produz um novo estilo de relações entre os homens. Como escrevia recentemente o Papa Francisco na sua primeira encíclica, "a fé revela quão firmes podem ser os vínculos entre os homens quando Deus se torna presente no meio deles. Não evoca apenas uma solidez interior, uma convicção firme do crente; a fé ilumina também a relação entre os homens porque nasce do amor e segue a dinâmica do amor de Deus. O Deus fiável dá aos homens uma cidade fiável" (Lumen fidei, 50).



Nossa Senhora, referência da nossa celebração, aqui, em Porto d’Ave, compreendeu bem esta dinâmica. Ancorada na fé bíblica, não precisou de esperar pela pregação do seu Filho para cantar uma sociedade assente na verdadeira sabedoria. Antes de Jesus dizer "quando deres um banquete, convida os pobres e aqueles que não podem retribuir-te", já ela declarava: "A minha alma glorifica o Senhor […] porque manifestou o poder do seu braço, dispersou os soberbos, derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias" (Lc 1, 46-53). Ela nos ajude a compreender o mais profundo da mensagem da fé e a transformar o mundo com o seu fermento.



Manuel Linda

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