domingo, 2 de junho de 2013

Pão partilhado, o Pão de Deus * CORPO DE DEUS


Pão partilhado, o Pão de Deus

Como conjugar hoje, em tempos de cri­se, o verbo partilhar? E onde estão os sinais de que a partilha existe, apesar dos muitos egoísmos visíveis?



A solenidade litúrgica do Corpo e San­gue de Jesus tornou-se rito social de iniciação. E eis tantas crianças de vesti­do branco a comungar o Corpo de Jesus, com a consequente satisfação e até eu­foria de pais e familiares que aproveitam a ocasião para fazerem festa. E bem, se os comensais revivem a sua história de partilha do mesmo Corpo do Senhor.
 
 

Desde o início que os discípulos de Je­sus se juntam para a «fracção do pão», momento que se tornou central na vida mais ou menos ritualizada dos crentes em Jesus. De facto, há dois mil anos que a Igreja, tu e eu na continuidade de quantos nos precederam, se prostra em adoração diante deste Pão, o Corpo do Senhor, que o é de facto por se tratar de um pão partilhado. Sem a partilha, deixará de haver Pão de Deus, pelo que os egoísmos humanos não permitem reconhecer o Pão de Deus.

Já S. Paulo, aquele que nos transmitiu o texto mais antigo do que aconteceu na última Ceia de Jesus, se insurgia con­tra as refeições festivas dos judeus em que uns «comiam tudo e outros nada comiam». Tais refeições, que ocorriam antes da Eucaristia, tornavam-se uma negação do Pão eucarístico, o Pão para partilhar entre todos, que «obrigava» a atitudes novas na sociedade de então. Ou seja, S. Paulo não tolerava os escân­dalos de uns se banquetearem ao lado de outros à míngua e todos em nome do Senhor. Era comer indignamente o Corpo do Senhor.

De facto, a Eucaristia opera constan­temente uma revolução: ou é um Pão partilhado ou, não o sendo, torna-se acto ofensivo do próprio Senhor, que o assumiu como sua Presença. Logo, a Igreja e cada um dos cristãos, atraiçoa a missão recebida do Senhor quando per­mite, tolera ou se cala diante de tantas injustiças: o Pão de Deus é um Pão para todos.

A «revolução» exprime-se no desafio lançado por Jesus aos apóstolos: dai-lhes vós de comer. Sim, com cinco pães e dois peixes alimentai a multidão de milhares de bocas.

E eles, certamente sem nada entende­rem, obedeceram à palavra do Mestre: mandaram sentar as pessoas por gru­pos de cinquenta... isto é organizaram a multidão, fazendo-a passar de um aglo­merado confuso a um «povo» capaz de entrar na «lógica distributiva» de Jesus.

E o certo é que o «pouco disponível», re­tirado da posse de «um rapazinho» para se tornar «dom disponível para todos» fica, agora, capaz de ser multiplicado. E todos comem. E ainda sobra para muitos mais, aqueles que ali não estavam mas que poderiam chegar entretanto. Quem não se lembra de tradições familiares que deixavam sempre um lugar vazio para o hipotético pedinte que poderia bater à porta?!

Não resisto a olhar para o estado do nosso país e deste mundo ocidental, marcado pela globalização e em que as lógicas se enredaram nas malhas do lucro, reservado apenas para alguns, os ricos avarentos insensíveis aos pobres lázaros. Não faltam exemplos de outras lógicas já testadas com êxito de uma economia de comunhão em que todos têm lugar à mesa e os lucros são dis­tribuídos por todos. Nunca será demais gritar contra o escândalo de alguns sa­lários de gestores que tentam justificar a «incapacidade» da empresa que gerem de subir alguns euros no salário de al­guns quando os seus «prémios» de ges­tão bradam aos céus. Com que direito se faz um prémio com o que se «rouba» ao salário?

S. Paulo não ficaria calado hoje diante de horários absurdos, de ritmos de trabalho em tensão permanente pagos com or­denados mínimos. E há tanta gente hoje a aproveitar-se de um cenário de crise para abusar daqueles que se sujeitam a tudo... numa autêntica exploração!

Mas o milagre acontece também hoje na onda de solidariedade de tantas ins­tituições que matam a fome a muitos e que despertam para a bondade de cada coração humano.

E o milagre continuará a acontecer sempre que cada um de nós juntar o pouco de que dispõe ao pouco daquele que nos rodeia para que, juntos, venci­dos os egoísmos, nos tornemos dom a partilhar.

E, deste modo, realiza-se a Eucaristia na transformação dos egoísmos em dons. Pelo que, bem entendida, a Eucaristia é a força mais revolucionária do mundo: o pão que recebo e se transforma em mim é o próprio Senhor Jesus, que me «obri­ga» a transformar-me em dom para os outros. Por isso, a Eucaristia dos cristãos termina sempre com o envio em missão: Ide e transformai o mundo de egoísmo em dom.

O Prior - P. Abílio Cardoso, in Boletim deBarcelos 

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