domingo, 10 de março de 2013

Ao lado do essencial ; Por: João César das Neves


Ao lado do essencial


Quando Jesus nasceu foi dito d'Ele: “Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações" (Lc 2, 35). Parece que essa pro­priedade se mantém no Seu Vigário, pois muito do que se tem dito nestes dias acerca de Bento XVI manifesta mais a atitude pessoal de quem fala do que o problema que julga analisar.

A Igreja é a instituição mais comentada fora dela. Por todo o lado se proclamam opiniões taxativas sem lhe pertencer, ou sequer sim­patizar. O Cristianismo é, sem dúvida, o tema com mais treinadores de bancada. Pelo seu lado o Papado, que é o seu elemento mais criticado, exerce a espantosa atracção que se vê. Não conseguem gostar dele, nem deixar de falar disso. O fenômeno merece análise.

É verdade que a Igreja Católica constitui uma realidade única no mundo. Existindo há 2000 anos, hoje com 1200 milhões de fiéis, é facilmente a maior e mais influente instituição da história. Bento XVI, o 265.° Papa, é também caso único. A mais antiga monarquia, a do Japão iniciada em 660 a. C., tem actualmente “apenas" o seu 125 ° imperador, enquanto o Dalai Lama, que pode ser considerado o lider mundial mais parecido, é só o 14.° desde 1357. Em termos mera­mente estéticos e intelectuais é fascinante.

No entanto, essas análises incluem um elemento inesperado pois, em geral, os comentadores, sendo alheios, não fazem o menor es­forço para entrar dentro da lógica daquilo que consideram. Mas não tomam isso como um obstáculo à qualidade do seu juízo. É evidente que quem emite opiniões sobre ciência, música, jardinagem ou al­pinismo faz um esforço para entender essas entidades, mesmo que se mantenha exterior ao próprio. Ninguém escreve sobre indígenas do Pacífico, cinema japonês ou cultura punk sem procurar dominar o respectivo ponto de vista. No caso da Igreja isso não sucede, o que leva a generalidade dos críticos a pronunciar candidamente os dislates mais flagrantes, sem perceber que está totalmente ao lado da questão. O motivo desta situação é um fenômeno curioso.

Como se pode comprovar numa mera consulta dos jornais nos úl­timos dias, a grande maioria dos textos que se debruçaram sobre a decisão de resignação de Bento XVI nem sequer menciona aquele que foi, de longe, o factor mais decisivo no fenômeno que conside­ram: Deus. Concorde-se ou não, goste-se ou não da sua convicção, é evidente que Bento XVI tomou a sua decisão diante de Deus. Do mesmo modo, toda a Igreja recebeu a notícia como vinda de Deus. e espera do Senhor a continuação desta história. Ignorar isto é como discutir música sem som ou alpinismo sem montanhas.

Olhar para os recentes acontecimentos desta forma, ou seja a par­tir de dentro, muda completamente as conclusões. Bento XVI não renunciou por causa da Cúria, que é igual há séculos, ou devido a escândalos e ataques, iguais aos que acompanharam cada mo­mento do pontificado. Nem sequer foi por motivos de saúde, apesar de o próprio os ter invocado. O seu gesto só aconteceu porque ele está plenamente convencido ser essa a vontade de Deus. Ele acha mesmo que é isso que aquele Senhor que segue atenta e minucio­samente em cada passo da vida há muito anos, e a quem entregou cada gota da sua existência, quer que ele faça.

Ver assim as coisas também muda totalmente as conversas que estes dias se multiplicam sobre o próximo Papa. Aqueles para quem essa eleição terá conseqüências, porque seguirão realmente na sua vida o novo “Cristo na terra”, como lhe chamava S. Catarina de Sena, vêem as coisas de outra forma. Eles estão pouco preocupados se ele será europeu ou africano, jovem ou idoso, alegre ou reservado. Essas são as questões das escolhas na ONU ou Comitê Olímpico, mas o Conclave nada tem a ver com isso.

Para os eleitores o propósito é, como diz a Constituição Apostólica que regula o processo, ter “em vista unicamente a glória de Deus e o bem da Igreja" (Universi Dominici Gregis, 83). Quanto ao resto dos católicos, eles estão nenos preocupados em saber quem querem que o novo Papa seja do que em saber o que o novo Papa vai querer que eles sejam.

In DN 2013-02-25

 

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