domingo, 10 de março de 2013

LENDA DE COVAS – Vila Nova de Cerveira (João Caldas)


LENDA DE COVAS – Vila Nova de


Cerveira
 
 
Quem não ouviu já falar de lendas? Que não ouviu ou não leu já essas pequenas narrações, fruto da imaginação popular, que felizmente têm sobrevivido de gera­ção em geração chegando até nós? Regra geral, elas estão associadas a determina­das localidades, sendo as aldeias rurais do interior do pais as que maior riqueza patrimonial “lendária” possuem. Como tal, Covas também tem a sua lenda. Con­vido-vos, por breves momentos, a fechar os olhos e a viajar no imaginário:
Há muitos, muitos anos, há tantos anos que a memória dos livros não conseguiu registar, havia um extenso e verdejante planalto situ­ado algures entre o Rio Minho e o Rio Lima. Esse planalto era rodeado de exuberante floresta constituída por enormes soutos de carvalhos, sobreiros e castanheiros onde viviam livremente esquilos, gatos bravos, raposas, lobos e inúmeros outras espécies de animais. Havia, também, um enorme pra­do, a perder de vista, onde cervos e cavalos selvagens pastavam livremente. Um número sem fim de nascentes de água convergiam para um rio que, entre desfiladeiros e per­correndo um sinuoso leito, dividia o planalto de norte a sul. Era aí que, no centro desse planalto e nesse ambiente imaculado, vivia uma numerosa
família. O seu patriarca, homem de longos cabelos e barbas brancas, era ferreiro. Com a ajuda da forja, da bigorna e do precioso e enorme martelo com que moldava o ferro, fa­zia armas para a caça e para a guerra, uten­sílios para a agricultura, para o lar e adornos. Não havia ninguém nas planícies que circun­davam o planalto que trabalhasse tão bem o ferro como ele. Por isso, muitos eram aqueles que o procuravam para comprar ou mandar fazer objectos. Para responder a tantas soli­citações, contava com a ajuda dos seus dois filhos mais velhos. Enquanto eles cuidavam da oficina, a esposa e as filhas cuidavam das lides doméstica e do cultivo da terra. Os res­tantes filhos e familiares adultos dedicavam- se às tarefas mais pesadas e à caça. As crian­ças brincavam livremente pelo prado.
Certo dia, Já enfermo e vendo que a hora da morte se estava a aproximar, o velho fer­reiro chamou toda a família. Deitado no seu leito, dirigiu-se aos seus dois filhos mais ve­lhos e disse-lhes:
-Sempre mantive esta família unida e em paz apesar da vossa divergência de feitios, motivo que me preocupa e me leva a pedir que cumprais este meu último desejo. Como sabeis, só tenho um martelo para trabalhar o ferro. Foi ele o sustento de todos nós durante dezenas de anos. Poderia ter feito um outro igual, pois tinha engenho e arte para tal. Não o fiz e ireis compreender porquê. Quero que ele continue a ser o vosso sustento, como também quero, e acima de tudo, que ele seja motivo de união entre vós. A partir de hoje, cada um de vós vai partir com a sua mulher e os seus filhos para um dos extremos deste planalto onde deverá construir a sua casa e a sua oficina de ferreiro. Um viverá a norte, o outro a sul. O martelo será utilizado pelos dois, em dias alternados. Todas as manhãs, ao cantar do galo, o que tiver o martelo em sua posse atirá-lo-á pelo ar para o seu irmão que já deverá estar acordado para o apanhar. Ele manter-vos-á unidos. A restante família deverá permanecer aqui. O meu corpo de­verá ser enterrado debaixo do sobreiro onde está a bigorna e que me protegeu do sol nas tardes quentes de verão.
Após estas palavras e com a voz cada vez mais ténue, pediu que lhe fossem buscar o martelo e que lho colocassem sobre o peito. Dirigindo-se novamente aos seus dois filhos mais velhos, disse-lhes num murmúrio:
-Colocai as vossas mãos sobre o meu pei­to e sobre o cabo do martelo e prometei-me que, enquanto viverdes, fareis o que vos acabo de pedir.
Os filhos assim o fizeram, jurando cumprir os desígnios de seu pai. Este, fechando os olhos, expirou.
Os dias, os meses e os anos foram pas­sando. Os dois irmãos e as suas famílias, embora distantes, encontravam-se frequen­temente! Viviam em harmonia e o pedido do velho ferreiro era cumprido à risca. Todas as manhãs, ao romper da aurora e quando o galo contava, o martelo sobrevoava todo o extenso planalto de um extremo ao outro, passando de irmão para irmão. No entanto, também os dois irmãos começaram a sentir o peso dos anos. Os cabelos e as barbas, de pretos começaram a ficar grisalhos e de grisalhos a ficar brancos. As suas costas até então erectas, começaram a curvar-se e a força dos seus braços e das suas pernas a fraquejar. E esses sinais foram por demais evidentes quando o martelo arremessado não chegava à mão do irmão que o aguarda­va, caindo algures do decurso do seu trajeto, fazendo na sua queda uma cova. À medida que o tempo ia passando e os dois ferreiros iam envelhecendo ainda mais, a queda do martelo foi-se tornando mais freqüente, dan­do origem a mais e mais covas. Quando es­ses dois velhos ferreiros morreram, os seus familiares resolveram voltar a viver todos juntos, como no tempo do velho patriarca. Saltando de alegria com a decisão que lhe iria possibilitar ter mais brincadeiras com os seus primos, uma das crianças que assistia à conversa, exclamou:
- Então vamos viver todos juntos, lá para baixo, nas covas?
E a partir desse dia, essas covas feitas pelo pesado martelo que formaram peque­nos outeiros em seu redor, como são o caso dos lugares hoje identificados por Outeiro do Tojo, Outeirinho, Outeirais, Outeiro, Trás do Lombo e Lomba, deram o nome à aldeia onde vivemos e a que orgulhosamente cha­mamos COVAS!
João Caldas/Janeiro 2010,
In Serra e Vale de Fev.13

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