segunda-feira, 11 de março de 2013

Reconciliar-se - desafio de Deus à liberdade humana



 Reconciliar-se - desafio de Deus à liberdade humana


Dos muitos desafios surgidos no decor­rer da nossa IV Semana Bíblica, recordo a vida como dom acolhido e oferecido. Quando a vida deixa de ser dom passa a ser morte.

Quando queremos dizer Deus, apesar das evidentes dificuldades, a palavra Amor é a menos imperfeita, se a refe­rimos ao gesto de Jesus de se doar pela humanidade.

Nesta doação, diz S. Paulo, Cristo «com­prou-nos» ao assumir sobre si os nossos pecados, reconciliando-nos com Deus. Esta situação totalmente nova, a de re­conciliados com Deus, recupera o nosso estatuto inicial, o de filhos de Deus, que sempre acontece quando, em escolha livre que implica a nossa vontade, ade­rimos à pessoa de Jesus.

Que a nossa humanidade está marcada pelo pecado não o duvida o crente. Por­ventura o não crente não o reconhecerá. Foi belo ouvir uma jovem, no contexto de um café bíblico, reconhecer que «não se vai à igreja porque se tem medo de reconhecer que somos pecadores». Pre­ferimos a hipocrisia ou o politicamente correcto que nos leva a julgar-nos per­feitos, sem necessitarmos do perdão de Deus e dos outros. Sim, porque o perdão é atitude nobre de quem o dá e de quem o acolhe. E o perdão de Deus acontece quando somos capazes de o repetir na relação com os outros, os irmãos: per­dão recebido torna-se perdão ofereci­do.

Somos todos pecadores, mesmo que nos julguemos acima dos outros, puros e sem pecado. À semelhança dos fari­seus, que não queriam entender a atitu­de de Jesus para com os publicanos, que comiam com Ele - Jesus preferia-os aos fariseus e judeus religiosos do seu tem­po - também nós hoje somos chamados à conversão dos nossos olhares sobre os outros, julgados impuros e indignos. A conversão que a Igreja proclama como necessária e urgente, especialmente neste tempo da Quaresma, aponta para a reconciliação sacramental como mo­mento de graça que acontece na liber­dade humana, acolhedora do dom de Deus.

Naquela parábola tão belamente regis­tada por São Lucas, encontramos um pai que recusa considerar o filho uma coisa, um objecto, ele que o «mata» ao pedir-lhe metade dos bens como herança. Ele não o considera perdido, logo não o vai procurar. O pai espera que o filho volte pois não se sente proprietário do filho. Ele aguarda o seu regresso e corre para ele quando o avista, desvalorizando o «discurso» de desculpas e, de imediato, resta­belecendo a sua dignidade perdi­da. O banquete exprime a neces­siade do pai de exprimir com to­dos a alegria que lhe vai na alma.

Diante deste amor «excessivo» do pai situa-se o outro filho, aquele que partilhava sempre a mesa com o pai. Diz o texto que ele «amuou» e não quis entrar na sala da festa. O texto não diz qual foi o desfecho final, se entrou ou não. Pertence aos fariseus, os do tempo de Jesus que ouvem a parábola e os de todos os tempos, nós também, imaginar, na nossa liberdade, o que faria cada um de nós. Quase sempre nos identificamos com o filho pródigo, que se afasta do pai. Esquecemo-nos que o pródigo vol­tou e permitiu a festa, ou seja, a história do pródigo, como a de qualquer pecador de qualquer tempo, pode sempre acabar bem diante do «Pai dos excessos». Mas a história do filho mais velho, que se julga o bom, o da casa, essa continua-se: amu­ado talvez porque incapaz de aprender a amar como o pai, «remoendo» o seu re­morso e alimentando a ferida com o seu orgulho, ou esperando a hora adequa­da do «amadurecimento» para retornar para o pai, que continua capaz de correr também para ele. Também com ele o pai vai saber esperar o tempo necessário para que ele aprenda o que é amar: ao recusar o irmão que volta ele arrisca o corte com o próprio pai.

Os ouvintes de ontem, como os de hoje, certamente aprenderão a lição: não se pode amar a Deus se não amarmos os irmãos e o amor «excessivo» que recebe­mos do pai tem de se tornar amor doa­do, oferecido ao irmão, sem o que cor­remos o risco de perdermos o que o pai nos concedera e voltarmos à situação de «desgraça», de solidão no pecado, recu­sando a reconciliação que o pai oferece.

Confessar-se pecador é já tornar-se capaz de acolher o perdão de Deus. E a força do perdão de Deus em nós dará origem a uma novidade de relações com os nossos irmãos necessitados do nosso perdão. Mesmo que não nos estendam a mão a suplicá-lo... O seguidor de Je­sus oferece o perdão sem lhe ser pedido. Como fez Jesus.

O Prior - P. Abílio Cardoso
 
(Prior de Barcelos) 

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