sábado, 13 de julho de 2013

Lições de há 1700 anos in Diário do Minho

Lições de há 1700 anos

1. Uns dizem que foi em Março. Outros atestam que foi em Junho. Quanto ao ano, porém, não restam dúvidas.



Foi em 313 que Constantino e Licínio escreveram ao governador da Bitínia. Essa carta passou a ser conhecida como Édito de Milão ou Édito da Tolerância.

2. Os 1700 anos deste documento não devem ser esquecidos. O seu alcance não pode ser negligenciado.



Uma nova era se inaugurava.

Terminavam as perseguições aos cristãos e era dada paz à Igreja.

3. Mas não só. Se pensarmos bem, proclamava-se um valor inestimável e instaurava-se um princípio da maior relevância: a liberdade de consciência. De facto, tal liberdade era reconhecida não apenas aos cristãos, mas também a quem quisesse seguir qualquer outra religião.

4. A opção religiosa deixou de caber ao Estado para passar a caber à pessoa, a cada pessoa.



Como nota Jean Comby, «todas as religiões ficam em igualdade de circunstâncias».

5. É claro que esta igualdade raramente se verificou. De religião perseguida o Cristianismo passou rapidamente – sobretudo com Teodósio – a religião preferida.



Não se pense, contudo, que esta posição de privilégio constituiu um reforço da liberdade. Pelo contrário. Se antes a liberdade era reprimida, a partir de agora a liberdade passa a ser fortemente tutelada.

6. Com efeito, é o imperador que convoca o primeiro Concílio ecuménico, em Niceia. Nele, chega a ser saudado como «o 13.º apóstolo» quando nem baptizado era!



Assumindo-se como uma espécie de «bispo exterior» ou «presidente da Igreja», Constantino incorre numa (insanável) contradição. Haverá liberdade efectiva para o Cristianismo quando a sua existência fica tão marcada por esta dependência?

7. É preciso ter presente que, no século IV, uma separação entre o temporal e o espiritual era coisa impensável.



Quem geria o temporal achava-se no direito de orientar também o espiritual. Tudo dependia ultimamente da mesma autoridade: a do imperador.

8. Por aqui se vê como o Édito de Milão foi o primeiro passo de um caminho muito longo.



Ainda há povos onde a ingerência da política na religião se mantém. E ainda subsistem territórios onde a perseguição religiosa se perpetua. Por conseguinte, nenhum direito está totalmente assegurado. Todos os direitos têm de ser, permanentemente, conquistados.

9. O descanso semanal, por exemplo, é uma herança que vem na sequência do Édito de Milão.



Constantino oferece o domingo como dia livre para os cristãos poderem ir à igreja e para os não cristãos terem possibilidade de celebrar os seus cultos.

10. Justiça seja feita ao imperador. Era sua vontade expressa, como nos diz o biógrafo Eusébio de Cesareia, que «cada um conserve o que a sua alma quer ter e que ninguém atormente ninguém».



Não será actual – gritantemente actual – este preceito?

João António Pinheiro Teixeira, In DM 25.06.2013

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