sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A propósito do ano da fé, transcrevo do Diário do Minho algo que sai da vontade deo autor Pe. João Torres


A propósito do ano da fé, transcrevo do
 Diário do Minho algo que sai da vontade
 deo autor Pe. João Torres
 
 
Mendigo de Deus
 
Espero ver nascer, na nossa
 
Arquidiocese de Braga, em cada
 
paróquia e em cada pessoa, um rosto
 
 missionário, capaz de gerar vida nova.


 

Sou como um embondeiro entre os ou­tros: à escuta do outro. Bebendo tragos de subtileza, com o sabor de uma be­leza que não é um adorno, feita da sobrie­dade melíflua, nem paz morta à sombra da insipiência das cores, mas uma espécie de luz da profundidade. Deixo-me trespassar por esta "dança (e)terna da Vida"... E acabo quase sempre a chorar de ternura. Não se pode impor a um embondeiro que se torne o guarda da dignidade do outro. Mas esta "gente de raízes ao alto" tem a graça de tolerar que o outro cuide de si. É neste bailado de palavras que sinto a voz de Deus a chamar por mim. Falar da minha voca­ção é falar das pessoas (comunidade) que Deus colocou na minha vida e de quem sou mendigo de amor. Rara além da minha família, há dois missionários que marcaram a minha vida: o Padre João Baptista Ferreira e o Padre Dr. Manuel Moreira da Costa Santos. A eles" agradeço o testemunho de "ciganos de Deus", sempre disponíveis para me introduzirem jpr na "Tenda de Deus", quando a vida nem sem­pre foi fácil.

Ser missionário para mim é, como dizia o saudoso Cardeal Martini, pisar o "palco do quotidiano" e aprender a ser um viandante que desce, cada

vez mais, e sempre mais profundamente, ao coração da Vida para aprender a "saborear por dentro todas as coisas" e assim, com o perfume do amor, encetar os passos desta dança nova, (e)terna, que te faz descobrir que há estrelas no céu mesmo quando é meio dia... e só as descobre e vê, quem se habituou a "dançar com Deus", no coração do mundo e do tempo... com um coração de Criança.

Tive a sorte - e sinto-me mesmo um privile­giado - de ter estado em vários campos de missão em Angola e Moçambique. Em Mo­çambique fui nomeado para uma missão de Ocua. Ora, essa missão cobria uma área de 130 km, maior que a nossa Diocese, e eu era pároco de 75 comunidades. Aprendi coisas fabulosas e as visitas eram prepara­das ao pormenor. Quando chegava a uma comunidade sabia que tinha que fazer três coisas "obrigatórias". Se não as fizesse, a minha passagem por ali não "valia nada": comer a comida deles, dormir na kitanda deles [cama tradicional] e pegar nas crian­ças deles. Era uma Igreja diferente da nossa, criava-se uma onda que unia as pessoas, que as conectava, que as transformava num corpo vivo. O contrário do que aqui se passa, onde tudo é medido e hierático.

O que eu vejo cá é, de um lado, um corpo ausente, como morto, si lente e, em frente, um outro, que faz o espetáculo, com uma marcação rigidamente sincronizada e auto­ritária. Lá senti-me realmente um cigano de Deus e um mendigo de amor.

Tenho a convicção que por toda a parte onde estiver, em qualquer situação da mi­nha vida, devo sentir-me missionário, pelo meu testemunho de fé, pela minha atitude, pelo meu olhar e pelas minhas palavras. Tenho a graça de viver numa comunidade sacerdotal constituída por cinco sacerdotes e um diácono. Sou pároco "in solidum" com o Pe. Manuel Baptista da Unidade Pastoral de Esporões, Arcos, Guizande, Escudeiros, Tadim e Priscos. Tenho também a privilégio de ser voluntário no Estabeleci­mento Prisional de Braga e de ser confessor na Basílica dos Congregados. Para além da minha família de sangue tenho outra família a Braga 24, das Equipas de Nossa Senhora. Casais a quem devo muito o aquilo que sou-

Espero ver nascer,  na nossa Arquidio­cese de Braga, em cada paróquia e em cada pessoa, um rosto missionário, capaz de gerar vida nova. Gostava de ver sacerdotes do isbitério de Bra­ga, por um perioclõ limitado de tempo, a serem padres "Fidei Donum". Como seria belo, por exemplo, se na minha comunidade sacerdotal, um sacerdote (posso ser eu) pudesse ser enviado para outra diocese mais pobre de Portugal ou do mundo apoiado quer pela diocese, quer pelos colegas. Estamos sempre à espera de receber "missionários para serem párocos" e miseravelmente nunca estamos dispostos a dar "párocos para serem missionários". Vivemos um tempo de esperança missioná­ria na qual os verdadeiros crentes querem passar "de parasitas" a irmãos ativos da co­munidade, por vezes, não há mudança porque há "padres a mais e leigos a menos" e sofremos de um défice de reflexão e de um excesso de ritualismo.

Mastigo dentro de mim as palavras do livro do Apocalipse, dirigidas à igreja de Sardes: "Conheço as tuas obras; tens fama de estar vivo, mas estás morto. Sê vigilante e fortifica aquilo que está a morrer, pois não encontrei perfeitas as tuas obras, diante do meu Deus. Recorda, portanto, o que recebeste e ouviste. Guarda-o e arrepende-te"

(3, 1-3). Estás sempre perante o Mestre da compaixão infinita.

* Centro Missionário da Arquidiocese de Braga

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