segunda-feira, 22 de outubro de 2012

E, então, os pecados capitais, senhores?



O papa São Gregório Magno (540 - 604), a partir das cartas de S. Paulo, enunciou os sete pe­cados capitais que hoje estão inscri­tos no catecismo da Igreja Católica: gula, avareza, soberba, luxúria, pre­guiça, ira e inveja. Para combatê-los, a mesma Igreja criou as vulgarmente designadas virtudes, para servirem de antídotos contra os males causados por estas paixões mundanas,

É assim apregoado que, contra a gula, se deve usar a temperança; contra a avareza, a generosidade; contra a so­berba, a humildade; contra a luxúria, a castidade; contra a preguiça, a dili­gência; contra a ira, a paciência; con­tra a inveja, a caridade. Todos os que tiveram educação catequética ficaram servidos de um guia espiritual, indis­pensável para combater os perigos de uma sociedade que evoluiu muito ra­pidamente para o cientismo, o racionalismo de base pragmática e materia­lista, e para o individualismo de ma­triz hedonista e egocêntrica.

Não admira, pois, que, agora, a téc­nica e a ciência sobrepujem a re­ligião e a metafísica, que o estudo das humanidades decaia, que a es­piritualidade interior estiole, e que a educação das paixões, por que tanto se bateram doutores da Igreja e re­formadores antigos, seja abandona­da. A ideologia vai cedendo ao rela- tivismo laxista e permissivo, e o li­vre arbítrio, condicionado pela mas­sificação da sociedade contemporâ­nea, deixa de poder julgar de forma judiciosa toda e qualquer questão mo­ral. Por sua vez, a cultura, em geral, orienta-se cada vez mais para os sen­tidos, se não mesmo para as glându­las, já que nesses meios se fala tan­to de adrenalina.

Os tempos que correm são, pois, de desenfreado materialismo, e é o po­der infrene das paixões que domina o mundo, atrás das quais cada vez mais homens e mulheres correm, e por vezes se atropelam, na ânsia de satisfazerem, mais do que as suas ne­cessidades imediatas, todos os seus prazeres, nalguns casos conseguidos de modo vicioso ou compulsivo. Esta decadência sócio-moral torna-se sis­têmica, pois a secularização da socie­dade deliu quase por completo a no­ção de pecado, e o relativismo cul­tural dos novos tempos retirou valor ao conceito de culpa.

Todavia, tanto a consciência do peca­do como a da culpa são essenciais para a formulação dos juízos de valor que classificam a natureza dos nos­sos atos, não só à luz de uma ética própria, mas também à luz das obri­gações contraídas perante os outros e a sociedade. A perda do sentido da transgressão e a ausência de julga­mento impedem o homem contem­porâneo de identificar o erro em si, e impelem-no a endossar aos ou­tros a origem do mal ou males que o possam atingir na sua individuali­dade e na sua liberdade. Está bom de ver que os pecados capitais ar­rastam o homem para o materialis­mo e, frequentemente, o cegam, e as virtudes que se lhes opõem orien­tam o homem para a espiritualidade, e o pacificam.

A esta crise moral que afeta profun­damente as sociedades ocidentais veio juntar-se uma grave crise mate­rial que está a pôr em causa a segu­rança sócio-económica das pessoas e dos próprios estados. Quer num cam­po quer noutro, as paixões destruti­vas são responsáveis pela manifesta­ção de males terríveis que atingem a humanidade de forma dramática. Ve­ja-se o caso da avareza dos especu­ladores financeiros que, por causa de uma sede incontrolável de dinheiro, atiraram grandes bancos para a fa­lência, tendo alguns deles sido res­gatados pelos Estados à custa do di­nheiro dos contribuintes.

A humanidade seria mais próspera e estaria mais defendida destas cri­ses econômicas que assolam os in­divíduos e as famílias se a vida pú­blica e privada tivesse mais virtude e menos paixão. A corrida ao dinheiro que atualmente se verifica no mun­do lembra as corridas que já se fi­zeram, noutros tempos, às especia­rias, aos escravos, ao ouro, às ma­térias primas... Todas esses corridas acabaram mal para quem as praticou porque, se por um lado, permitiram o enriquecimento de alguns, por ou­tro causaram o empobrecimento ge­ral da população, devido ao abando­no do esforço produtivo.

Esta economia viciosa, centrada na maximização do lucro e no locuple- tamento individual, deveria ser subs­tituída por uma economia virtuosa, centrada na justiça social e na equi- tativa distribuição da riqueza nacio­nal. Mas, infelizmente, tal evolução não parece possível.

O Harpagão de Molière metia toda a fortuna num cofre, que depois escon­dia no quintal! Onde metem o dinheiro os avarentos dos novos tempos?
Fernando Pinheiro, escritor,  in Diário do Minho

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