RELATO DE UM CASAL EM MISSÃO
É imperioso suscitar um novo ardor missionário,
indo ao encontro dos mais necessitados, dos mais afastados, trazendo-os para o
convívio da comunidade paroquial.
Às vezes andamos tão distraídos ou absorvidos
que até nos esquecemos que Deus tem um projeto muito claro para cada um de nós.
Quem tem consciência desse projeto só consegue ter uma resposta: amar a Deus
vivendo na concretização desse mesmo projeto. Quem vive nesta entrega torna-se
uma presença que interpela e que leva os outros a interrogar-se.
Sentimos a necessidade de assumirmos a nossa
identidade de casal cristão sabendo que isso pressupõe um compromisso eclesial
e evangelizador.
Ser Igreja é uma das grandes urgências do mundo
atual. É colocar "a Boa Nova como fonte de esperança no meio de tantos
conflitos que surgem no coração do homem e na sociedade desigual, impedindo a
realização do projeto de Deus" (Exortação Apostólica Christifideles
Laici). Abraçar e percorrer este caminho, muitas vezes, tem exigido de nós
renúncia e sacrifício, mas compreendemos que a nossa missão exige uma entrega
total e muita disponibilidade.
É motivo de grande alegria para nós poder
partilhar as maravilhas que Deus tem realizado em nossas vidas. Entendemos que
o sim à missão é para sempre, mas sabemos que ele precisa ser renovado a cada
dia, diante de cada desafio.
"Aceitar o chamado de Deus faz da vida uma
história de amor" (Bento XVI). Acreditamos que assim é e por isso
resolvemos estar atentos aos sinais, procurando dar resposta aos desafios da
sociedade atual onde o ter tende a ocupar o espaço do ser, onde o outro aparece
desfocado e marginalizado.
Pelas janelas abertas da nossa vida matrimonial,
mais concretamente pelas mãos da nossa filha, entrou o voluntariado. Sentimos
que era um grande desafio, mas o sim teve um lugar prioritário. Depois do sim
veio a ação.
Partimos para Lisboa integrados num grupo de
voluntários, num projeto organizado pelo grupo Diálogos svd - leigos para a missão.
Este trabalho incidiu sobre crianças e jovens
residentes nos Terraços da Ponte - Loures. O primeiro grande desafio deste
projeto foi a inculturação uma vez que as crianças e jovens com quem fomos
trabalhar eram oriundas de Frises Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Na
nossa mente as ideias amontoavam-se querendo dar resposta imediata a todas as
situações encontradas. Contudo, cedo nos apercebemos que o mais importante era
estar com elas, ouvir as suas histórias de vida, conhecer e integrarmo-nos
nessa nova comunidade. Foram tempos de aprendizagem e de um contínuo desmontar
de preconceitos e ideias que estavam muito bem arrumadas na nossa mente.
Nestes projetos aprende-se essencialmente a
amar, a aceitar o outro como ele é, mesmo que isso nos custe e implique um
contínuo e renovado recomeço. Com esta experiência compreendemos que as nossas
prioridades podem não ser as prioridades deles.
A nossa ação incidiu sobre diversas atividades
lúdicas, sempre com a preocupação de criar laços e estabelecer pontes, com
recurso a ate- liers de pintura, recortes e colagens, modelagem, pinturas
faciais, jogos, pinturas, a fim de possibilitar a integração de todas as
crianças e jovens. Sentimo-nos envolvidos e acarinhados por todos os elementos
da comunidade e isso responsabilizou-nos ainda mais.
Assistimos a choques culturais, ritmos e valores
que se dão à vida e que são bem diferentes dos nossos.
Colocar os nossos dons ao serviço dos outros
contribuiu para uma profunda realização pessoal, pois esse estar é sinônimo de
compromisso e doação.
Em jeito de partilha, podemos dizer que recebemos
muito mais do que aquilo que demos, pois regressamos muito mais fortalecidos e
mais conscientes das nossas linhas de ação na sociedade. Aprendemos a valorizar
mais o sorriso, redescobrimos a importância da escuta neste mundo tão cheio de
ruídos que teimam em nos silenciar.
O espírito de serviço e a humildade saíram
reforçados desta experiência, já diversas vezes repetida, pois quem arrisca ser
voluntário jamais deixa de o ser. As pequenas questões do dia a dia foram
reposicionadas no seu lugar, pois aprendemos a não inflacionar a sua
importância. Hoje, nossos olhares vislumbram outros horizontes e estão agora
mais atentos e centrados no essencial, pois redescobrimos que "Só se vê
bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos" (Saint-Exupéry).
Vivemos num mundo que nos impulsiona a depositar nossas esperanças no aqui e
agora mas vivemos momentos que ficarão gravados para sempre no nosso coração. O
conforto é uma das grandes ambições do ser humano, um verdadeiro lema de vida.
Caminhamos em busca de uma espécie de "paraíso perdido", como se Adão
e Eva se tivessem arrependido de conhecer o "lado sombrio" da
existência. Agir em conformidade com o mundo é assumir a sua forma. Uma igreja
que se conforma é aquela que absorve ou é absorvida pelo estilo de vida
preconizado pelo mundo e pelos seus sistemas. É aquela que se curva ao
consumismo e ao individualismo.
São Gregório, o Grande, dizia: "É melhor
arriscar-se a provocar um escândalo do que calar a verdade". Por isso é
tempo de sonhar com uma igreja presente no mundo, encarnada e aberta para o
diálogo; uma igreja com um coração ardente, cheio de misericórdia e compaixão.
A impressão que temos é que perdemos a
capacidade de chorar e de nos colocarmos no lugar do outro para melhor
entendermos a raiz dos seus problemas.
É imperioso suscitar um novo ardor missionário,
indo ao encontro dos mais necessitados, dos mais afastados, trazendo-os para o
convívio da comunidade paroquial; comprometer- -se com paróquias procurando
promovê-las.
A família missionária só será uma realidade
irradiadora do Espírito Santo se for marcada pela ousadia e atravessada pela
exigência da missão. Famílias em missão são sementes de uma sociedade diferente,
mais humanizada. Ser cristão é viver em constante estado de missão e alargar o
espaço da nossa tenda.
Que Deus nos encha de discernimento e coragem nos caminhos
da missão.
♦ Centro
Missionário da Arquidiocese de Braga
Sem comentários:
Enviar um comentário