segunda-feira, 29 de outubro de 2012

RELATO DE UM CASAL EM MISSÃO


É imperioso suscitar um novo ardor missionário, indo ao en­contro dos mais necessitados, dos mais afastados, trazendo-os para o convívio da comunidade paroquial.


Às vezes andamos tão distraídos ou ab­sorvidos que até nos esquecemos que Deus tem um projeto muito claro para cada um de nós. Quem tem consciência desse projeto só consegue ter uma resposta: amar a Deus vivendo na concretização desse mesmo projeto. Quem vive nesta entrega torna-se uma presença que interpela e que leva os outros a interrogar-se.

Sentimos a necessidade de assumirmos a nossa identidade de casal cristão sabendo que isso pressupõe um compromisso eclesial e evangelizador.

Ser Igreja é uma das grandes urgências do mundo atual. É colocar "a Boa Nova como fonte de esperança no meio de tantos conflitos que surgem no coração do homem e na sociedade desigual, impedindo a realização do projeto de Deus" (Exortação Apostólica Christifideles Laici). Abraçar e percorrer este caminho, muitas vezes, tem exigido de nós renúncia e sacrifício, mas compreendemos que a nossa missão exige uma entrega total e muita disponibilidade.

É motivo de grande alegria para nós poder partilhar as maravilhas que Deus tem realiza­do em nossas vidas. Entendemos que o sim à missão é para sempre, mas sabemos que ele precisa ser renovado a cada dia, diante de cada desafio.

"Aceitar o chamado de Deus faz da vida uma história de amor" (Bento XVI). Acreditamos que assim é e por isso resolvemos estar aten­tos aos sinais, procurando dar resposta aos desafios da sociedade atual onde o ter tende a ocupar o espaço do ser, onde o outro aparece desfocado e marginalizado.

Pelas janelas abertas da nossa vida matrimo­nial, mais concretamente pelas mãos da nossa filha, entrou o voluntariado. Sentimos que era um grande desafio, mas o sim teve um lugar prioritário. Depois do sim veio a ação.

Partimos para Lisboa integrados num grupo de voluntários, num projeto organizado pelo grupo Diálogos svd - leigos para a missão.

Este trabalho incidiu sobre crianças e jovens residentes nos Terraços da Ponte - Loures. O primeiro grande desafio deste projeto foi a inculturação uma vez que as crianças e jovens com quem fomos trabalhar eram oriundas de Frises Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Na nossa mente as ideias amontoavam-se querendo dar resposta imediata a todas as situações encontradas. Contudo, cedo nos apercebemos que o mais importante era estar com elas, ouvir as suas histórias de vida, conhecer e integrarmo-nos nessa nova comunidade. Foram tempos de aprendizagem e de um contínuo desmontar de preconceitos e ideias que estavam muito bem arrumadas na nossa mente.

Nestes projetos aprende-se essencialmente a amar, a aceitar o outro como ele é, mesmo que isso nos custe e implique um contínuo e renovado recomeço. Com esta experiência compreendemos que as nossas prioridades podem não ser as prioridades deles.

A nossa ação incidiu sobre diversas atividades lúdicas, sempre com a preocupação de criar laços e estabelecer pontes, com recurso a ate- liers de pintura, recortes e colagens, modela­gem, pinturas faciais, jogos, pinturas, a fim de possibilitar a integração de todas as crianças e jovens. Sentimo-nos envolvidos e acarinhados por todos os elementos da comunidade e isso responsabilizou-nos ainda mais.

Assistimos a choques culturais, ritmos e valo­res que se dão à vida e que são bem diferentes dos nossos.

Colocar os nossos dons ao serviço dos outros contribuiu para uma profunda realização pes­soal, pois esse estar é sinônimo de compro­misso e doação.

Em jeito de partilha, podemos dizer que rece­bemos muito mais do que aquilo que demos, pois regressamos muito mais fortalecidos e mais conscientes das nossas linhas de ação na sociedade. Aprendemos a valorizar mais o sor­riso, redescobrimos a importância da escuta neste mundo tão cheio de ruídos que teimam em nos silenciar.

O espírito de serviço e a humildade saíram reforçados desta experiência, já diversas vezes repetida, pois quem arrisca ser voluntário jamais deixa de o ser. As pequenas questões do dia a dia foram reposicionadas no seu lugar, pois aprendemos a não inflacionar a sua importância. Hoje, nossos olhares vislumbram outros horizontes e estão agora mais atentos e centrados no essencial, pois redescobrimos que "Só se vê bem com o coração. O essen­cial é invisível aos olhos" (Saint-Exupéry). Vivemos num mundo que nos impulsiona a depositar nossas esperanças no aqui e agora mas vivemos momentos que ficarão gravados para sempre no nosso coração. O conforto é uma das grandes ambições do ser humano, um verdadeiro lema de vida. Caminhamos em busca de uma espécie de "paraíso perdido", como se Adão e Eva se tivessem arrependido de conhecer o "lado sombrio" da existência. Agir em conformidade com o mundo é assu­mir a sua forma. Uma igreja que se conforma é aquela que absorve ou é absorvida pelo estilo de vida preconizado pelo mundo e pelos seus sistemas. É aquela que se curva ao consumismo e ao individualismo.

São Gregório, o Grande, dizia: "É melhor arriscar-se a provocar um escândalo do que calar a verdade". Por isso é tempo de sonhar com uma igreja presente no mundo, encar­nada e aberta para o diálogo; uma igreja com um coração ardente, cheio de misericórdia e compaixão.

A impressão que temos é que perdemos a capacidade de chorar e de nos colocarmos no lugar do outro para melhor entendermos a raiz dos seus problemas.

É imperioso suscitar um novo ardor missioná­rio, indo ao encontro dos mais necessitados, dos mais afastados, trazendo-os para o con­vívio da comunidade paroquial; comprometer- -se com paróquias procurando promovê-las.

A família missionária só será uma realidade irradiadora do Espírito Santo se for marcada pela ousadia e atravessada pela exigência da missão. Famílias em missão são sementes de uma sociedade diferente, mais humanizada. Ser cristão é viver em constante estado de missão e alargar o espaço da nossa tenda.

Que Deus nos encha de discernimento e coragem nos caminhos da missão.

♦ Centro Missionário da Arquidiocese de Braga

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