segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Por que lhes dais tanta dor?



Baltazar Areias jaz, há alguns dias, nos cuidados intensi­vos do hospital. Foi largado na urgência pela família (um filho de quarenta e oito anos, uma nora um ano mais nova e dois netos às voltas com as voltas da vida, em busca de emprego ou meras ocu­pações precárias).
Chegou ali de ambulância, a meio da noite, com sintomas fortes de acidente vascular cerebral: confu­são mental, violentas dores de ca­beça, prostração geral, desfaleci- mento. Por isso, difícil não foi â equipa de emergência médica diag­nosticar a situaçio e tomar as pn- meiras medidas de socorro Com oitenta e dois anos, Baltazar tem levado uma vida de cão. Viú­vo desde os sessenta, só encon­trou nesta situação atribulações e ausências. E da perda da mulher sempre costumava desabafar aos amigos que lhe fez imensa falta: Sempre era a minha bengala.
A família nunca teve (ou não quis ter) tempo para o aturar. E dele dizia ser um chato, um resmun­gão, um empecilho, um coisinho. Os maus tratos de ordem psicoló­gica que lhe infligiam seguramen­te mais dolorosos e devastadores eram que qualquer mau trato fí­sico. E, daí, que ainda ao hospi­tal não tenha voltado, desde essa noite fatídica em que o derrame cerebral o vitimou. Nem sequer uma simples informação, mesmo que fosse através de um telefone­ma rápido, se dispôs a colher jun­to da unidade hospitalar.
Baltazar Areias é mais um caso de abandono hospitalar. Certas famí­lias, porque não têm vontade, con­dições ou conhecimentos para tra­tar deles, entregam os seus ido­sos (os estorvos), nestas e nou­tras instituições, com moradas e números de telefones inexisten­tes ou falsos. E, assim, a estes idosos só lhes resta a solidão, o abandono, a angústia da ausência dos seus entes mais próximos e queridos.
Vítimas fáceis de uma sociedade hedonista, relativista, desumaniza- da e egoísta, cada vez mais ido­sos vão para debaixo da ponte ou permanecem sozinhos em casa, à espera do fim, quantas vezes, trá­gico. Os casos de idosos encon­trados mortos, já há meses ou, até, anos nas suas residências, são notícia freqüente na comuni­cação social
Todavia, esta é uma situação de gritante injustiça e crueldade hu­mana. A legislação que protege a velhice, neste nosso país, não está completa. Enquanto a proteção à infância dá algum apoio oficial aos pais, por exemplo, para que pos­sam faltar ao trabalho e manter os seus vencimentos e demais rega­lias para assistir a um filho doen­te ou deficiente, na terceira idade tal não acontece. E muitas famí­lias, quantas vezes desestrutura- das ou sem meios materiais e hu­manos para largarem o trabalho e apoiar os seus idosos, obrigadas são a estas macabras soluções de abandono e crueldade.
É urgente, pois, uma ação legisla­tiva, eticamente solidária e huma­nista, que proteja a terceira idade e, ainda mais, as nossas crianças. Até, para que cumpridos estrita­mente sejam os artigos 69.°e 71.° da Constituição da República. Então, até de hoje a oito.
                                                                                 Dinis Salgado, in D.M.
 


B

altazar Areias jaz, há alguns dias, nos cuidados intensi­vos do hospital. Foi largado na urgência pela família (um filho de quarenta e oito anos, uma nora um ano mais nova e dois netos às voltas com as voltas da vida, em busca de emprego ou meras ocu­pações precárias).

Chegou ali de ambulância, a meio da noite, com sintomas fortes de acidente vascular cerebral: confu­são mental, violentas dores de ca­beça, prostração geral, desfaleci- mento. Por isso, difícil não foi â equipa de emergência médica diag­nosticar a situaçio e tomar as pn- meiras medidas de socorro Com oitenta e dois anos, Baltazar tem levado uma vida de cão. Viú­vo desde os sessenta, só encon­trou nesta situação atribulações e ausências. E da perda da mulher sempre costumava desabafar aos amigos que lhe fez imensa falta: Sempre era a minha bengala.

A família nunca teve (ou não quis ter) tempo para o aturar. E dele dizia ser um chato, um resmun­gão, um empecilho, um coisinho. Os maus tratos de ordem psicoló­gica que lhe infligiam seguramen­te mais dolorosos e devastadores eram que qualquer mau trato fí­sico. E, daí, que ainda ao hospi­tal não tenha voltado, desde essa noite fatídica em que o derrame cerebral o vitimou. Nem sequer uma simples informação, mesmo que fosse através de um telefone­ma rápido, se dispôs a colher jun­to da unidade hospitalar.

Baltazar Areias é mais um caso de abandono hospitalar. Certas famí­lias, porque não têm vontade, con­dições ou conhecimentos para tra­tar deles, entregam os seus ido­sos (os estorvos), nestas e nou­tras instituições, com moradas e números de telefones inexisten­tes ou falsos. E, assim, a estes idosos só lhes resta a solidão, o abandono, a angústia da ausência dos seus entes mais próximos e queridos.

Vítimas fáceis de uma sociedade hedonista, relativista, desumaniza- da e egoísta, cada vez mais ido­sos vão para debaixo da ponte ou permanecem sozinhos em casa, à espera do fim, quantas vezes, trá­gico. Os casos de idosos encon­trados mortos, já há meses ou, até, anos nas suas residências, são notícia freqüente na comuni­cação social

Todavia, esta é uma situação de gritante injustiça e crueldade hu­mana. A legislação que protege a velhice, neste nosso país, não está completa. Enquanto a proteção à infância dá algum apoio oficial aos pais, por exemplo, para que pos­sam faltar ao trabalho e manter os seus vencimentos e demais rega­lias para assistir a um filho doen­te ou deficiente, na terceira idade tal não acontece. E muitas famí­lias, quantas vezes desestrutura- das ou sem meios materiais e hu­manos para largarem o trabalho e apoiar os seus idosos, obrigadas são a estas macabras soluções de abandono e crueldade.

É urgente, pois, uma ação legisla­tiva, eticamente solidária e huma­nista, que proteja a terceira idade e, ainda mais, as nossas crianças. Até, para que cumpridos estrita­mente sejam os artigos 69.°e 71.° da Constituição da República. Então, até de hoje a oito.

                                                                                                                                             Dinis Salgado, in D.M.

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