São Tomás se pergunta, na Suma Teológica, se a inveja é
pecado.À E aborda o tema
deixando clara a diferença entre a inveja e alguns outros sentimentos
semelhantes que podem não constituir pecado, pois em muitas passagens da
Escritura, bem como nos escritos dos Santos, somos convidados a imitar ou
“invejar” o próximo.
Por exemplo, em carta a uma de suas dirigidas
espirituais, São Jerônimo recomenda-lhe dar à sua filha “companheiras de estudo
que ela possa invejar, cujos êxitos a estimulem”.
A inveja, como foi visto, é uma certa tristeza causada
pelos bens alheios. Mas a tristeza à vista dos bens de outrem pode sobrevir de
quatro modos.
1º - Quando um homem se entristece por ver que seu
inimigo foi promovido e, com isso, ficou em condições de prejudicá-lo, tal
sentimento não é inveja, mas sim um efeito do medo. Portanto, pode não ser
pecado, explica o Doutor Angélico, citando São Gregório: “Acontece muitas vezes
que, sem faltar com a caridade, a ruína do inimigo nos alegre, ou sua glória nos
entristeça, sem que haja pecado de inveja, quando pensamos que sua queda
permitirá que alguns se levantem, ou quando tememos que seu sucesso seja para
muitos sinal de uma injusta opressão”.®
2º - Se nos entristecemos com o bem do próximo, não pelo
fato de este o possuir, mas porque dele estamos privados, não é propriamente
inveja, é zelo. Consiste no fato de desejar um bem que o outro tem, sem,
entretanto, querer que o outro deixe de possuí-lo. Afirma São Tomás: “Se esse
zelo se refere a bens honestos, é então digno de louvor, conforme diz o
Apóstolo: ‘Tenham emulação pelos bens espirituais’ (I Cor 14, 1). Referindo-se
a bens temporais, pode ou não ser acompanhado de pecado”.¯
3º - Pode acontecer de alguém entristecer-se à vista do
bem do próximo, pelo fato de ser indigno quem o possui. Entretanto, tal tipo de
tristeza não pode recair sobre os bens honestos, pois estes melhoram aquele que
os recebe. Essa tristeza chama-se nêmesis ou indignação causada pela injustiça,
explica São Tomás, o qual nos adverte: “Os bens temporais, que os indignos
recebem, lhes são concedidos por uma justa ordenação de Deus, para sua emenda
ou para sua condenação. Esses bens não têm, por assim dizer, nenhum valor, em
comparação com os bens futuros que são reservados aos bons. Por isso essa
tristeza é proibida pela Escritura, segundo o salmo: ‘Não tenhas inveja dos
pecadores, não invejes os que cometem a iniquidade’ (SI 36, 1). E num outro
salmo: Ainda um pouco e eu daria um passo em falso, porque estava com inveja
dos ímpios, vendo a paz dos pecadores’ (SI 72, 2-3) ”.°
4º - O quarto modo é o que corresponde propriamente à
inveja. Ou seja, é a tristeza pelo bem do outro pelo fato de este ter mais do
que nós. Isto é sempre pecado, pois nos leva a entristecer por algo que deve
causar-nos alegria: o bem do próximo.
À Cf. SÃO TOMÁS DE
AQUINO. Suma Teológica, II-II, q.
36, a.2.
SÃO JERÔNIMO.
Epist. 107, al.7, n.4; ML 22, 871.
® SÃO TOMÁS DE
AQUINO, op. cit., II-II q. 36, a.2.
¯ Idem, ibidem.
° Idem, ibidem.
In Revista Aurautos do Evangelho
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